sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Palavras de um grande mestre...

Prof. José Henrique de Faria

  • Ponto de partida: o sujeito coletivo, que só se constitui como tal, quando provê as formas de sua sobrevivência, quando cria valor na produção das condições materiais de sua existência, quando constitui trabalho.
  • Objeto: organização tem que ser "concreta", tem que ter materialidade e que está no mundo capitalista.
  • Estado: forma como a sociedade se organiza (não é governo, não é partido).
  • Nossa tendência é colocar as coisas no institucional, mas estão nas estruturas, na base. As mudanças só se dão pelas bases.
  • Hoje, temos o capitalismo flexível - estado. Não existem empresas socialistas num estado capitalista. O estado se interessa em colocar dinheiro no capital. Não por saúde, educação, etc.
  • Ninguém é economicamente excluído do capital, mesmo desempregado, o indivíduo consome.
  • A única ética do capital é o lucro, objetivo da organização. Não existe o "eticamente sustentável".
  • Capitalismo - competente, mas há uma resistência, a contradição vai ficar evidente. O capital vai impor sua síntese. É preciso transcender as fronteiras da empresa - os canais externos (sindicatos deveriam ser os instrumentos) estão desaparecendo.
  • Lógica da perversidade da organização - a organização política é desorganizada, sem projeto social, sem direção, é deficiente.
  • O que fazer? "Mínimo de humanidade". 
  • Organizações tem um sistema perverso, são predadores. O importante é saber "a regra do jogo". Desta forma seria possível realizar alguma humanização, trabalhar com as pessoas a crítica, para mudar. E porque se muda? Pq não se está contente com sua realidade.
  • PENSAMENTO DIALÉTICO - maior dificuldade entre os profissionais. A unidade é dos contrários. A síntese não se dá na luta dos contrários.
  • Psicossociologia (predadores - o que não é dito em um discurso?).
  • Psicodinâmica (o indivíduo foi afastado do trabalho - sofrimento no trabalho).
  • A psicossociologia e a psicodinâmica não pretendem ser uma só disciplina, mas podem ser articuladas complementarmente, mantendo suas propriedades.
  • E como conviver com as disciplinas cartesianas?  O sujeito que produz suas condições de existência, deve analisar as coisas dialeticamente (?????)
  • ECONOMIA POLÍTICA DO PODER (Volumes 1, 2 e 3).


I Jornada Internacional de Práticas Clínicas no Campo Social (Maringá) - III


Profa. Jaqueline, Prof. Gaulejac e Jean Michel


  • O humano "se nega" como humano. Utilitário, instrumental. Paradigma funcionalista: contra o que é humano.
  • Contradições: coração e mente em conflito. Na sociedade, os conflitos são considerados disfuncionais, mas são tentativas de resposta à exploração.
  • O "homem econômico" responde a interesses R$R$R$R$.
  • Social é afirmar que o bem que possuímos forma as bases às ligações sociais com a obrigação de receber e tornar acessível.
  • GRATUIDADE <--> LÓGICA DA PRODUÇÃO.

I Jornada Internacional de Práticas Clínicas no Campo Social (Maringá) - II


Dia 04 de novembro de 2010. 

Profa. Jaqueline Barus-Michel 
  • Ego ideal = lar narcísico. Memórias, fantasmas, imagens do passado, futuro - imaginário simbólico.
  • Transformação da realidade - desejos compartilhados.
  • Eu = sujeito do ego.
  • Sofrimento no trabalho = renunciar a si próprio. Quem sofre tem dificuldade de dar sentido ao seu trabalho.
  • Alto risco de violência. O assédio é aspecto natural.
  • "Os outros": mundo exterior, fonte de reconhecimento mas tb de frustração. Dualidade amor-ódio.
  • "O outro": pode ser figura protetora, mas tb restritora. Reprime o desejo. Sansão castradora.
  • "O outro": família.
  • "O outro": rivalidade, dominações, jogos --> treinamento para a vida social.
  • "O outro": indispensável para a consciência de si. Limita a ilusão de onipotência: "VOCÊ ME ENSINA PORQUE EU NÃO SOU TUDO".
  • O estranho - maravilhoso corpo do outro.
  • Ambivalência forja guerras. Concorrências, implicam uma terceira pessoa (o "outro" somente, não basta).
  • "Pai amado","chefe amado", realidade de trocas que conta com a figura do terceiro. Evoca a lei, tb o reconhecimento, organizando as posições.
  • O essencial acontece no registro afetivo. Ex: olhar social, relação dual, casamento, etc.
  • LAÇO SOCIAL - incontornável, inerente da espécie. O psíquico se transpõe ao social e ao político.
  • Primeiras pulsões de vida: união organização (levam aos excessos do idealismo utópico); Segundas pulsões: violência, exploração, restrições da prática.
  • A lei fundamenta a unidade --> proíbe a destruição, matar e comer o semelhante.
  • Explorar é consumir.
  • CHEFES: predadores de uma função, garantia de dar conta do poder limitado na sua ambição; pessoa idealizadas (amada ou odiada) - "paradoxo do laço social".
  • Mesmo nos piores períodos, os laços sociais não desaparecem. Há sempre solidariedade, que resiste.
  • O homem é um animal político, animado pela vontade de debater o modo de vivência dos seus semelhantes.
  • "A imobilidade é a morte" (Jaque).
  • É preciso falar das diferenças, restaurar o "político", dimensão que faz funcionar as leis, etc...".

sábado, 27 de novembro de 2010

I Jornada Internacional de Práticas Clínicas no Campo Social (Maringá) - I

É novembro de 2010, dia 03.
Manhã quente e grande é nossa curiosidade em conhecê-lo.



Monsieur Vincent de Gaulejac

Na França, os políticos se ocupam da questão do emprego e não do trabalho. Diferente do Brasil? Deve ser mal da classe... alienada, interesseira e oportunista. Não dá tempo de pensar no "público". Gaulejac falou das diferentes percepções de sujeito.
    PRIMEIRO PONTO SOBRE AS PERCEPÇÕES DE SUJEITO:
      • Sujeito (quem sou eu?) - penso, logo existo. Sujeito do inconsciente: cidadão que contribui para a construção da sociedade.
      • É preciso refletir junto, sobre o processo SUJEITO NO TRABALHO e o TRABALHO DO SUJEITO.
      • Podemos mudar a maneira como a história acontece (não a história).
      • O que é ser sujeito? "É agir de acordo com o dever que me impõe. Poder fazer minhas próprias escolhas. É ser mestre do que posso dar aos outros. É me conhecer e me aceitar como sou".
      • Gaulejac contou a história de Mireille, uma senhora (guria) que decidiu ser sujeito aos 40 anos: "ser sujeito é ser inteiramente eu mesma, ser senhora do que eu posso fazer aos outros. Chorei durante 40 anos. Agora acabou. Eu quis ser sujeito". Bem, ela começou com 10 anos de vantagem sobre mim.
      • Ser sujeito é ter coragem para se voltar contra o "super ego", é partilhar junto, é fazer "do meu jeito", é exercer "como eu me sinto". 
      • No mundo do trabalho, há uma dissociação entre o que penso, digo, falo e provo. Aqui, o sujeito não suporta o acordo que se impõe: acordos de excelência, de produtividade (às custas de sua alma). Ele confronta-se com qualquer tipo de contradição entre o que pensa e o que sente. São contradições com sua consciência. Isso pode desembocar em úlceras, depressões. É o verdadeiro motivo do "mal", que deveria ser tratado, e não tão somente seus sintomas.
      • Ser sujeito é sentir o gosto do prazer da autonomia, é lutar para ser independente.
      • A construção do sujeito é a mais bela aventura existencial.
      • Todos nós temos o "hábito" de "não ser sujeito". Gaulejac indaga: porque as pessoas não se revoltam? "A resignação vale mais que a esperança frustrada".
      • DETERMINISMO x LIBERDADE, eis a questão.
      • Na forma da empresa (produtividade e lucro), o "eu" de cada indivíduo tornou-se o seu próprio fardo. Ser "excelente", viver buscando a "excelência" é muito desgastante. Quem não é "excelente" é excluído. "Ganhando se produz mais perdedores que vencedores".

        SEGUNDO PONTO SOBRE AS PERCEPÇÕES DE SUJEITO:
          • Como definir o trabalho? SOFRIMENTO e DOR. Atividade penosa com a qual se ganha o pão com o suor do rosto.
          • "Sou eu quem possui o trabalho ou ele que me possui?". Antigamente o trabalho era motivo de vergonha, atribuído somente aos menos afortunados, como os escravos e as mulheres (vejam só...).
          • Hoje, o trabalho determina a existência social de uma pessoa, fator de realização do homem que, através do trabalho se reconhece em si mesmo. Além do aspecto da sobrevivência (lógica da necessidade), o trabalho também configura a identidade do indivíduo. Via de regra, é a primeira coisa que se quer saber... (o que vc faz?).
          • O trabalho é elemento importante de mediação do homem com o mundo. Hoje, a questão do "fazer" mudou. A visibilidade do trabalho está cada vez mais evidente. Como explicar isso? Difícil dizer... O que é essa produtividade? Não sabemos o que estamos medindo. A atividade concreta é mais difícil de perceber.
          • Entra em cena as relações, a network, os conhecidos: o emprego é o vetor destes capitais. Quando se perde o emprego, perde-se o reconhecimento simbólico atrelado a ele. O trabalho é um sinal de pertencimento.
          • Assim sendo, o "EU" tornou-se um capital que é preciso incorporar à organização. A energia libidinal do indivíduo é canalizada para a empresa, através de "psicologias" que adaptam o indivíduo ao objetivo empresarial. Há risco de clivagem.
          • Psicodinâmica do Trabalho - o prazer é fácil de administrar, mas o sofrimento, é mais difícil.
          • Perda de emprego = perda de si.
          • O trabalho é meio ou finalidade da existência? Transforme o "ou" em "e". O trabalho é meio e finalidade da existência.
          • O lado positivo do trabalho é que é essencial da construção de si. O lado negativo é que o trabalho também é lugar de alienação, opressão, ambos elementos objetivos do mal-estar.

          QUESTÕES LEVANTADAS PELA PROFA. ANA MAGNÓLIA
          1. Sentido do trabalho; 
          2. Contradições impostas ao sujeito; 
          3. Formação dos profissionais de RH.
          • O sujeito é da contradição, do conflito, do prazer e da autonomia.
          • Que sujeito as organizações estão formando? Aquele que sofre diante do fracasso ou aquele que usa estratégias para ressignificar seu sofrimento?

          REFLEXÕES DO PROF. VINCENT DE GAULEJAC
          • Sobre a dinâmica dos pesquisadores. Publicação + pontos = avaliação dos pesquisadores. Essa avaliação faz parte de um sistema de poder que mata a pesquisa.
          • Falou das publicações indiretas. Orientadores, doutores que publicam junto. Na verdade colocam seu nome, sem ter escrito uma linha.
          • A questão da "excelência" é uma questão capitalista --> ideologia do sucesso.
          • Resgatou a história de Mireille. Como descentralizá-la? Sujeito com vontade de ser. Mas no mundo gerencialista, depende do suporte (R$). Qual objetivo? Trabalhar, estudar, produzir, etc... Neste mesmo mundo, a posição social é determinante na formação dos hábitos.
          • Mireille quis ser sujeito, independente de sua posição social inicial. Ela era uma pessoa alienada, com filhos, casa, marido, etc. Aos 40 anos quis ser sujeito, que escolhe existir, que tem projeto de existência. De onde vem esse desejo de ser? Será que alguma religião daria isso?
          • Alienação radical - expressa por um sujeito moldado ao coletivo que renuncia a ser sujeito, voltado à massa social.
          • Ressalta a existência e a importância do coletivo. As pessoas reconhecem a mobilização coletiva.
          • Também salienta as questões identitárias: a migração laboral é uma opção? Ou uma produção da sociedade? O sujeito não se realiza somente com posição social.

          AULA 8 - ORGANIZAÇÃO E COMPORTAMENTO

          FAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO
          PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM
          ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO – PMOD
          DISCIPLINA: ORGANIZAÇÕES E COMPORTAMENTO – Profª. LIS SOBOLL (RESENHA 8º. ENCONTRO)
          Por Rossana Cristine Floriano Jost[1]
          I.                   Identificação da obra
          PAGÈS, M. et al. O Poder das Organizações. São Paulo: Atlas, 1987 (Terceira Parte).
          III.      Percepções da aluna
          1. P r á t i c a     d e    P o d e r     n a     G e s t ã o      d o s     R e c u r s o s       H u m a n o sH H :
          O capítulo faz reflexão sobre o poder enraizado nas práticas cotidianas da organização, legitimadas e implementadas pelos Recursos Humanos, transformando-as em práticas de poder e cujas características são:
          PRÁTICAS IDEOLÓGICAS
          Produção ideológica que objetiva interioriza certas condutas, bem como os princípios e crenças que as legitimam.
          PROCESSO DE MEDIAÇÃO PLURIDIMENSIONAL

          Nível Econômico
          Gerenciam vantagens
          Nível Político
          Asseguram a conformidade às regras
          Nível Ideológico
          Encarnam valores de consideração pela pessoa, mascarando objetivos de lucro e dominação
          Nível Psicológico
          Praticam uma política de gestão dos afetos que favorecem o investimento inconsciente massivo da organização e a dominação desta sobre o aparelho psíquico dos funcionários
          DESENVOLVIMENTO DE OUTROS PROCESSOS
          Estudam a subordinação do indivíduo à organização, seduzidos pelas vantagens a ele concedidas, em termos de:
          Abstração
          Reduz à lógica abstrata do dinheiro
          Objetivação
          Exige a utilidade
          Desterritorialização
          Separa o indivíduo de suas raízes sociais e culturais, a fim de aproximá-lo cada vez mais do “código” da organização
          Canalização
          Transforma o máximo de energia individual em força de trabalho, via carreira

          A seguir os dispositivos que concretizam esses processos e são utilizados nas políticas de RH, ilustrando as “práticas de poder da organização”.
          1.1. Entrevista de Avaliação-Conselho
          Através de uma entrevista anual, o gerente atribui uma nota ao funcionário, fruto de uma avaliação “objetiva”, a qual dependerá promoções, salários, etc., sendo apresentada com “toda a consideração”, o que me remete a uma primeira contradição: o funcionário deve assinar o recebimento dessa avaliação.



          Entrevista como:
          ... dispositivo de mediação
          A mediação é feita com falsa neutralidade, obedecendo à mesma estrutura de outras entrevistas (admissão, seleção, orientação, etc.). As forças e a franqueza são desiguais: quem fala, fala de si mesmo, mas quem ouve, o faz em nome de uma entidade. Esse tipo de entrevista “é um dispositivo que codifica a demanda de satisfação do indivíduo no quadro fixado pela empresa” (p.101).
          ... prática ideológica
          Esta entrevista é a prova de que a empresa leva em consideração os valores humanos, que tenta proteger os funcionários dos “desmandos” das chefias e que os mesmos podem falar abertamente. O próprio nome já suscita contradição, pela idéia que traz de controle do rendimento, onde os trabalhadores são avaliados de acordo com os resultados do trabalho, objetivamente, e pelo aspecto de conselho, que permite o “desabafo total” do funcionário, dando a impressão de que o mesmo tem o poder de interferir em sua trajetória profissional dentro da empresa. “O espírito da entrevista consiste em minimizar o aspecto controle para valorizar o aspecto conselho” (p.102), que funciona como uma prática ideológica e reforça a ideologia oficial dos grandes princípios. O funcionário se auto-persuade, mesmo sabendo que esta entrevista é um logro, e defende este procedimento em nome dos grandes princípios. Aqui me vem uma dúvida: ele faz isso porque está completamente seqüestrado pela empresa ou isso é uma estratégia de defesa?  A função estratégica da entrevista torna-se uma prática de poder quando o “gerente avaliador” deixa de defender o interesse da empresa, focando tão somente os seus próprios interesses.
          ... objetivação
          O indivíduo é reconhecido e promovido em função de sua utilidade para a empresa, medida por uma avaliação quantificada de seu rendimento e de sua adaptação às regras e valores da organização. Subjetividade quantificada.
          ... legitimação
          Procedimentos legitimados através de princípios e práticas ideológicas, como: luta contra arbitrariedade das chefias, subjetividade, igualdade de todos diante da avaliação, consideração humana, liberdade, etc.
          ... individualização
          A legitimação só funciona se cada um se encontrar isolado com relação ao sistema.
          ... canalização das energias
          Necessidade de vencer interiorizada. A empresa valoriza o dispêndio de energia para o “bom sentido” (segundo seus critérios) e desvaloriza o resto.
          ... dominação psicológica
          Ao “desabafar”, o indivíduo fica a mercê de um dispositivo que opera a gestão dos afetos, favorecendo o domínio da empresa sobre o aparelho psíquico dos empregados.

          1.2. Abstração
          É quando a lógica mercantil domina o conjunto das relações sociais, tendendo a distanciar o homem da realidade concreta e vivida, isolando-o de seu contexto global, causando um estranhamento do mesmo com relação às suas atividades pessoais e sociais.
          O caráter dominante da mediação, enquanto consequência direta da contradição entre capital e trabalho, é retratado através dos seguintes itens:
          O dinheiro como código dominante
          O conjunto de relações existente na empresa é reduzido ao dinheiro, moldando os indivíduos, as produções, as linguagens, as ideias. É a partir dos objetivos de lucros que outras políticas são determinadas. Extensão das relações mercantis: com o desenvolvimento do capitalismo, “o trabalho humano e seus resultados são reduzidos ao seu valor de troca” (p.107).
          Abstração do trabalho
          Trabalho humano trocado por um equivalente (geralmente injusto) monetário com perda de suas características próprias. Só o resultado desse processo produtivo é levado em conta. A variação dos salários, na empresa pesquisada, está ligada diretamente às performances dos indivíduos, onde “o que você vale é o que lhe cabe” (p.107).
          Abstração/Subjetivação
          Dialética contínua que atua entre a investidura do conjunto das atividades e as relações sociais pela forma valor e a consciência dos desejos dos funcionários da empresa, deste modo, ligando o salário diretamente ao rendimento medido de forma precisa, satisfazendo, assim, a necessidade de reconhecimento e segurança de cada um. “A lógica da abstração que ocasiona a perda de comunicação e de solidariedade é suprimida pela reinjeção sistemática de relações humanas sob a forma de símbolos e serviços” (p.110). Portanto, as relações mercantis desaparecem atrás de símbolos, permitindo a todos se sentirem respeitados e reconhecidos como sujeitos.
          Abstração/Mediação
          O poder dos funcionários da empresa pesquisada vem de sua identificação com a mesma e de um certo número de símbolos que alimentam esta identificação: salário, mordomias, etc. A dominação psicológica atinge o coração do indivíduo, moldando seu aparelho psíquico. Isso acaba desnaturalizando a relação que cada funcionário tem com o mundo que o cerca. Ele não age mais como um ser humano, chegando a tornar-se um estranho a si mesmo, desumanizado, mediador de si próprio, enaltecido, entendendo-se como mestre das coisas com as quais ele se une. Mas uma vez privado das “asas da grande mãe” perde todo seu valor: bagaço da laranja.

          1.3. Objetivação
          A objetivação submete o sujeito ao reino da medida, ou seja, traduz em termos quantitativos as performances, as aptidões, virtualidades e aptidões do indivíduo. Entende que, pela quantificação, é possível encontrar solução para os problemas colocados e compreende o indivíduo apenas em função de sua utilidade para a organização.

          Admissão
          Tudo o que envolve esse processo permite objetivar as características de cada indivíduo, não apenas suas competências técnicas, mas sua capacidade de trabalho, motivações, capacidade de integração, entre outros. O candidato é submetido a um sistema e não a homens, que elimina, já de início, a arbitrariedade e a subjetividade, focando de antemão à mais-valia que será possível extrair do funcionário.
          Nível
          Trata-se de uma espécie de “conceito”, atrelado à produtividade do funcionário (preencher objetivos, executar bem o trabalho, etc.) e independente de seu cargo. É etiquetado, através de médias, notas, medidas, cujo objetivo é caracterizar seu rendimento no sistema. O segredo da regra incentiva a individuação, a luta individual e previne às reivindicações coletivas. O único critério aqui é “dar o melhor de si”. O indivíduo é manipulado por mecanismos que não faz idéia do que sejam.
          Quadros de alto potencial
          Indivíduos programados e enquadrados em cargos que possuem listas de substituição para suprir determinadas necessidades. Para pertencer a tais quadros, é levado em contra não somente sua vida pregressa profissional como suas características psicológicas, história pessoal, entre outros.
          Clube 100%
          O valor individual de cada um é estimado em função da medida de sua atividade e percebido pelos funcionários como uma bela recompensa: fazer parte do Clube 100%.
          Pesquisas de opinião
          Forma de avaliação da sanidade moral do pessoal e do clima de trabalho, com resultados publicados no jornal interno. Isso dá a impressão de que existe uma “opinião pública”, feita num recorte de momento, espelhando um pseudo “está tudo bem”. “Constitui-se a idéia de que existe uma opinião pública unânime para legitimar uma política e reforçar as relações de força que a fundamentam ou a tornam possível” (p.118).

          1.4. Desterritorialização
          Trata-se de um conjunto de mecanismos que separam o indivíduo de suas origens sociais e culturais, destituindo-o de sua história pessoal para reescrevê-la no código da organização. Suas referências originais são substituídas por outras mais conformes aos interesses da empresa. As datas mais importantes na vida do indivíduo passam a ser: admissão, promoção, estágio, aumento, e não mais, aniversário, nascimento, casamento, etc. O nome da família ocupa um espaço menor que a sigla da empresa, que se torna fundamento abstrato da identidade de cada um.
          Política de emprego
          A empresa admite jovens, que vão fazer carreira na empresa e que ainda não tem um sistema de referências consolidado e são facilmente maleáveis, sendo mais fácil substituir estas referências por normas e valores da empresa. Quando esses jovens, por ventura, mudarem de emprego, levarão consigo a experiência aprendida na TLTX, contribuindo para a expansão do sistema. Investiu tanto de sua energia, que, ao desligar-se da empresa, por qualquer motivo, encontrar-se-á completamente desamparado diante do vazio do fato.
          Estágios
          Elemento complementar de todos os dispositivos instaurados para selecionar os indivíduos de acordo com suas aptidões de adaptação e tem como objetivo, além de  proporcionar às pessoas melhor competência técnica, formá-las segundo o espírito da empresa, moldar sua personalidade conforme as normas da organização, capaz de reproduzir e adaptá-las em qualquer situação. O indivíduo é “deformado” em relação aos seus laços culturais e geográficos para criar uma personalidade impregnada do espírito e das normas da empresa.
          Mudanças
          “Mobilidade perpétua”. Esta é a política que deixa os indivíduos muito dependentes da empresa, pois ele é moldado profissionalmente, de forma arbitrária. Suas relações sociais passam a ser relativas à empresa, na medida em que as mudanças sofridas cortam completamente as referências anteriores do sujeito, contribuindo para sua socialização a aculturação.
          Linguagem
          Além do inglês, os funcionários são obrigados a dominar uma língua própria da empresa, que mistura uma série de características referentes a uma cultura específica. É uma espécie de forma de identificação do “funcionário da empresa”, cúmplice e dependente da mesma, frente a alguém que não faz parte deste “gueto de luxo”, que extrapola raças, culturas, fronteiras, etc. Esta empresa mundial tem ambição de substituir as sociedades locais, produzindo um novo homem, desterritorializado, eficaz, dócil e que contribui na construção desta sociedade futura.[2]

          1.5. Individualização e repressão das reivindicações coletivas
          Na empresa pesquisada, as políticas de RH são voltadas a evitar que se forme pequenos grupos sociais com referências diferentes da organização. A estrutura coletiva tem um poder extremamente limitado e controlado: não existe coletivo, senão a percepção da empresa como um todo. O indivíduo deve identificar-se com um conjunto e não com uma unidade. O todo é indivisível e o individuo fica isolado, serializado e atomizado, com a afetividade fixada na organização. Neste contexto, a competição é desenfreada e cada um joga suas próprias cartas. É o “cada um por si”.

          Mobilidade perpétua
          As pessoas ocupam um cargo, em média, entre seis meses e um ano. Com esse tipo de mobilidade, a empresa evita a apropriação do poder por algum indivíduo ou grupo. Qualquer grupo que se forme é rapidamente desmantelado. Isso tem como uma das consequências, a impossibilidade de se constituir núcleos estáveis, grupos com dinâmica própria e capacitados a reivindicações coletivas.
          Competição da Obscuridade
          O sucesso individual é valorizado e glorificado: superação dos limites, competição, que favorecem o isolamento e a atomização. “Se não se sabe onde estão situados os outros, não se pode situar a si próprio” (p.127).
          Expressão individual das reivindicações
          As reivindicações são possíveis, desde que estejam dentro dos limites da empresa, quais sejam: (i) pode-se dizer qualquer coisa desde que se fale só e fique isolado; (ii) as contestações só podem exprimir-se nas formas permitidas pela empresa. Desta forma, ninguém pode dizer que não há respeito e consideração pelos funcionários, mesmo que ele expresse suas insatisfações, seus descontentamentos. “A única condição é que isto seja expresso na linguagem da organização: de maneira funcional, racional, mecânica” (p.129). Este sistema permite controlar a conformidade da aplicação das regras. “É característica de um poder inteligente contestar-se ritualmente para melhor consolidar-se nos fatos” (p.129).
          Antecipação das reivindicações
          O mais importante é impedir que o descontentamento amadureça. Para tanto, a empresa propõe-se a satisfazer as reivindicações antes mesmo de serem exprimidas. A imagem da organização, perante os funcionários, é de querer contribuir para a felicidade de seu pessoal, legitimando as recusas a certos pedidos. E se a recusa por ventura continuar, é perfeitamente compreendida por todos – não havia outra forma. Assim, a empresa oferece super vantagens (iniciativas de beneficiar seu pessoal) que, em outras empresas são arrancadas com muita luta, por exemplo: seguro de vida, aposentadoria complementar, indenização em caso de hospitalização, etc.
          Ato de evitar e o controle das formas coletivas de reivindicações
          A empresa, através das ações já aqui relatadas, previne a constituição de um coletivo independente, por medo desse coletivo enquanto grupo social ativo. Assim, procura evitar que um grupo de indivíduos, confrontados com um mesmo problema, não queira resolvê-lo coletivamente. Sendo assim, a empresa busca ações como separar os indivíduos, não os opondo, mas diferenciando-os, limitando seus contatos pela dispersão geográfica, bem como a comunicação horizontal, suprimindo lugares de encontros informais, ocupando-os com muito trabalho. Os problemas passam a ser individualizados, não são tratados coletivamente, sobretudo os “quentes”. Acalmam-se os líderes com uma promoção, bem como neutraliza-se o que grita mais alto. A empresa também encoraja os sindicatos internos, jogando descrédito sobre a ação sindical politizada, persuadindo os empregados no sentido de que é inútil e ineficaz, pois a empresa tudo resolve. Num mundo ideal como este, o sindicato só serviria mesmo para trazer perturbações. Tudo o que não pode ser previsto, medido, deve ser eliminado.

          1.6. Condenado a vencer
          A carreira é um elemento central na relação entre o indivíduo e a organização, pois permite “conter”  suas angústias de não-reconhecimento (entre outros), o que, para a empresa representa a garantia da transformação da energia individual em força de trabalho. A carreira media a contradição entre, de um lado a carga de trabalho opressiva, e de outro, os desejos de liberdade e autonomia do indivíduo. O desejo de vencer faz o funcionário trabalhar cada vez mais e melhor. Entretanto, aquilo que faz com que o sujeito “tome o poder” também o aprisiona, num sentimento de “ser sugado”, de sempre ter que subir, de não conseguir mais parar esse ciclo. Os benefícios objetivos da carreira (salário, promoções, mordomias, etc.), na verdade, são secundários face à necessidade imperiosa que tem o indivíduo de vencer.

          Necessidade de reconhecimento
          “ Vencer é o meio de ser reconhecido, admitido, aceito na empresa[3] (p. 134). O autor coloca que, frente às figuras de autoridade que o indivíduo encontra pela vida profissional, ele sente-se (e age) como uma criança que precisa do amor de seus pais, na forma de sinais de reconhecimento, ou reafirmação de seu amor, entrando num processo que reativa exatamente o que lhe ameaça.
          Valorização do sucesso
          “O sucesso, a ambição, fazer carreira vão se tornar para o indivíduo os valores essenciais (...)” (p.135), pois, para eles, para ser reconhecido é preciso vencer, não importando que vitória, contanto que se vença. A ambição, encorajada constantemente pela empresa, não é vivida como uma contradição, embora jamais satisfeita. Quando a carreira torna-se o investimento principal da vida de um indivíduo, o valor pessoal é reduzido à competência profissional, seu único código, que não se origina no ato do trabalho, mas a um sistema de sinais instaurado e controlado pela organização e que simbolizam o sucesso.
          Deslocamento dos objetivos econômicos para o plano psicológico
          O indivíduo que não está consciente das contradições da organização, toma-as para si, individualizando-as, como escolhas com as quais ele é confrontado, sem solução. Viverá, desta forma, a contradição entre o encorajamento da ambição e a impossibilidade de satisfazê-la. O conflito abarca a exigência entre a empresa e sua família, ou seja, “se ele não vence é porque dedica muito tempo a sua família” (p.137). Outrossim, a empresa não pede para o indivíduo trabalhar por dinheiro, e sim, por um motivo mais nobre: vencer, ser o melhor. Não pede para trabalhar muito, mas diz que para progredir é preciso trabalhar muito. Esta mudança de foco coloca a exploração pela empresa, como um objetivo para o indivíduo, ou seja, foi transformada em valor pela via do sucesso, numa estrada sem fim: vencer é trabalhar mais e melhor; o fracasso é parar ou regredir nesta corrida. Ocorre que nunca se vence, pois sempre tudo é passível de ter sido feito melhor e a organização passa ao indivíduo a idéia de que é dele a responsabilidade de se superar, através de sua carreira, ao passo que são os objetivos da organização que estão sendo atingidos.
          Alucinação do desejo
          Até as satisfações são antecipadas, com o objetivo de assegurar a eficácia, através da carreira atuando num mecanismo psicológico. A empresa vale-se da alucinação do desejo, fazendo-nos compreender que, às vezes, obtemos mais prazer expressando somaticamente nosso desejo, numa alucinação antecipada do que com a sua satisfação completa. Aqui vem-me à mente a cenoura na frente do animal... “O prazer não provém do estado mas do movimento” (p.138). Uma vez atingido o objetivo, o prazer cessa e só volta com a perspectiva de preencher outro espaço, como o exemplo de sempre subir a escada rolante que desce.
          Angústia dos 45 anos
          Trata-se da angústia compartilhada, relativa ao sair de um movimento que dá sentido a toda vida do funcionário, por não ter mais condições de acompanhá-lo. A empresa pesquisada utiliza uma série de dispositivos a fim de que o indivíduo coloque sua energia a seu serviço e, quando as capacidades do mesmo diminuem, não se acredita mais nele. Então, promove uma “política do escanteio” que atua, ao mesmo tempo, como sanção (tenta retardar, para o indivíduo, o momento em que seu rendimento diminui) e como recompensa (manifesta seu reconhecimento pelos serviços prestados, permitindo que ele se recupere, “ocupando-o de maneira honrada” até sua aposentadoria.
          A ilusão do poder ou o poder da ilusão
          A carreira ilude a realidade do poder, servindo-lhe de máscara, da mesma forma que provoca a alucinação do desejo, mas não a satisfaz. Também uma alucinação do poder sem desvendá-lo, num poder da ilusão.
          Apropriação derivada do poder
          A apropriação do poder é sempre adiada no tempo. Negligencia-se o poder que se tem nas mãos por estar de olho em outro superior. “É o aumento de poder que cristaliza as ambições e não o poder em si” (p.140). Os indivíduos estão lateralizados em relação ao poder.
          É perseguindo o poder que o ativamos
          Ao tentar obter poder, todos os processos que utilizam relações de dominação são ativados: objetivação, desterritorialização, individuação, etc., que são usados da melhor forma dando suporte aos funcionários. O essencial do poder está nas estruturas e não nas relações de autoridade. Portanto o indivíduo persegue uma ilusão.
          “Aceito ser escravo porque sou ambicioso”
          O desejo de fazer carreira impulsiona o indivíduo a vencer e não mais pela obrigação de trabalhar. Uma vez isso, não é necessário controlá-lo. “A ideologia do sucesso permite poupar a imposição e as atitudes repressivas, transformando o máximo de energia individual em força de trabalho” (p.141). Por desejo infinito de superar-se , ele aceita a escravidão.
          O pacto com o diabo: “eu renuncio a mim mesmo”
          A ilusão do poder, além da carga de trabalho, produz dependência e submissão do indivíduo que deixa de se pertencer, perdendo não só sua autonomia, mas sua identidade. Desta forma, a aposentadoria representa um desespero.



          [1] Pedagoga com especialização em Psicologia do Trabalho (UFPR) e MBA em Marketing (IBMEC); Mestranda da FAE; rossanaflor@gmail.com.
          [2] Mas a hegemonia da IBM não durou para sempre. Abandonou milhares de órfãos, quando pega pela crise.
          [3] Aqui eu faço uma ressalva: quando, na empresa, impera a “pressão para trabalhar mal”, é perigoso vencer (ou pelos menos divulgar a vitória).