terça-feira, 19 de outubro de 2010

AULA 6 - ORGANIZAÇÃO E COMPORTAMENTO

Banalização da Injustiça Social
Christophe Dejours
Cap. (1)
Banalização do Mal
(1) O desempregado (primário ou crônico) passa por um processo de dessocialização progressivo e sofre, podendo até chegar a adoecer mental ou fisicamente, pois tem afetados seus alicerces da identidade (p.19);
(2) Há uma clivagem entre sofrimento e injustiça. O sofrimento só suscita solidariedade/protesto quando é percebido como resultante de uma injustiça (p.19);
(3) Se há resignação pela dissociação de sofrimento e injustiça, então seria isso um fenômeno sistêmico, sem influência? Uma causalidade do destino? Dejours acredita que é exterior ao sujeito (p.20);
(4) Ele coloca como um processo de adesão ao discurso economicista, que dissocia a adversidade (sofrimento alheio) da injustiça (p.21);
(5) A exclusão e adversidade infligidas a outrem em nossas sociedades, sem mobilização política contra a injustiça, derivam de uma dissociação estabelecida entre adversidade e injustiça, sob o efeito da banalização do mal no exercício de atos civis comuns por parte dos que não são vítimas da exclusão (ou não o são ainda) e que contribuem para excluir parcelas cada vez maiores da população, agravando-lhes a adversidade (p.21);
(6) Dejours busca analisar o processo que favorece a tolerância social para com o mal e a injustiça, e através do qual se faz passar por adversidade o que na verdade resulta do exercício do mal praticado por uns contra os outros (p.22);
(7) Para Dejours, todos nós (a grande maioria) participamos na banalização do mal (p.22);
(8) “Compreender, para Hannah Arendt, é uma atividade sem fim, pela qual nos ajustamos ao real, nos reconciliamos com ele e nos esforçamos para estar de acordo ou em harmonia com o mundo” (p.23);
(9) A tolerância social também se deve a toda sociedade que se transformou qualitativamente, com reações diferentes no que tange ao sofrimento, à adversidade e à injustiça. Indignação atenuada, bem como atenuada também a mobilização coletiva em prol da solidariedade. Se há ação coletiva, é mais uma reação que propriamente uma ação: uma reação ao intolerável (p.24);
(10) Desenvolvimento da tolerância à injustiça: a falta de reações coletivas de mobilização é que possibilita o aumento progressivo do desemprego e seu estrago psicológico e mental (p.24);
(11) Novos métodos de gestão de empresas: questionamento progressivo do direito do trabalhador e das conquistas sociais, acompanhados não apenas de demissões, mas de uma brutalidade nas relações trabalhistas que gera sofrimento (p.25);
(12) Denúncias sem conseqüência política, sem mobilização coletiva concomitante que mantém a crescente tolerância à injustiça (p.25).









Banalização da Injustiça Social
Christophe Dejours
Cap. (2)
Sofrimento e Trabalho
Formas típicas de Sofrimento
Medo da incompetência
(1) É o sofrimento dos que temem não satisfazer as imposições da organização do trabalho: horário, ritmo, formação, informação, diploma, aprendizagem, nível de instrução, ideologia da empresa, etc. Muitas vezes, os trabalhadores não têm como saber se suas falhas se devem à sua incompetência ou anomalias do sistema técnico. De qualquer forma, é a angústia de não estar à altura, de se mostrar capaz de enfrentar situações incomuns, incertas e que exigem responsabilidade (p.30-31);
(2) ZELO NO TRABALHO: É tudo aquilo que os operadores acrescentam à organização prescrita para torná-la eficaz, que empregam individual ou coletivamente e que não depende da “execução”. O trabalhador mobiliza seus impulsos afetivos e cognitivos da inteligência (p.30). É impossível cumprir os objetivos da tarefa respeitando somente ao que está prescrito. Portanto, o processo de trabalho só funciona quando os trabalhadores beneficiam a organização do trabalho com a mobilização de suas inteligências, individual e coletivamente, mesmo que usadas “semiclandestinamente”, o que nos remete à idéia de um outro fator motivador do zelo: o medo como motor da inteligência. (p.56).
Pressão para trabalhar mal

O trabalhador sabe o que deve fazer, mas não pode fazê-lo porque o impedem as pressões sociais do trabalho (ambiente social péssimo, obstáculos, sonegação de informação, prejuízo de informação, etc.), constrangendo-o por métodos e regulamentos incompatíveis ente si (p.31-32). Há sofrimento ético.

Sem esperança de reconhecimento
(1) O reconhecimento é fundamental na dinâmica da mobilização subjetiva da inteligência e da personalidade do trabalho, permitindo a transformação do sofrimento em prazer, pois dá sentindo não só ao trabalho, mas ao esforço, à angústia, à dúvida, à decepção. O reconhecimento implica na construção da identidade do sujeito e inscreve o trabalho na dinâmica da realização do ego. A identidade constitui a armadura da saúde mental. Quando o reconhecimento não acontece, o sujeito se vê reconduzido somente ao seu sofrimento. Num círculo vicioso e desestruturante, podendo levar à doença mental (p.34-35);
(2) DIMENSÃO PÁTICA DO TRABALHO: Dimensão que remete ao sofrer e ao sofrimento, ao padecer e à paixão, com suas conotações de passar por, sentir, experimentar, suportar, agüentar situações que gerem dor ou prazer (p.45).
Sofrimento e Defesa
(1) Em vez de detectar doenças mentais do trabalho, registrou-se que a maioria dos trabalhadores permanecem na “normalidade”. Como conseguem não enlouquecer? A normalidade é interpretada como o resultado de uma composição entre o sofrimento e a luta contra o sofrimento no trabalho, contra as desestabilizações psíquicas provocadas pelas pressões do trabalho. A normalidade não implica em ausência de sofrimento, mas uma normalidade sofrente (p.36).
(2) Se o sofrimento não se faz acompanhar de descompensação psicopatológica, é porque contra ele o sujeito aplica defesas que o controlam. As estratégias coletivas de defesa são construídas e empregadas, pelos trabalhadores, para esse fim (p.35);
(3) As estratégias defensivas podem contribuir para tornar aceitável aquilo que não deveria sê-lo. Cumprem papel paradoxal, porém capital, nas motivações subjetivas de dominação. Por outro lado, necessárias à proteção da saúde mental contra os efeitos do sofrimento, elas também podem funcionar como uma armadilha que insensibiliza a pessoa contra aquilo que a faz sofrer (p.36).
Cap. (3)
O Sofrimento Negado
Formas de Negação do Sofrimento
A negação pelas org. Políticas e Sindicais
(1) É a recusa sindical de levar em conta a subjetividade no trabalho. A organização da tolerância ao sofrimento psíquico, à adversidade, é, em parte, resultado da política das organizações sindicais e esquerdistas (p.40);
(2) O silêncio social sobre a injustiça e a adversidade, estaria ligado ao descompasso histórico das organizações sindicais com a questão da subjetividade e do sofrimento, o que provocou um enorme atraso em relação às teses do liberalismo econômico (p.40).
Vergonha e inibição
da ação coletiva
(1) A indiferença pelo sofrimento psíquico dos que trabalham abriu caminho à tolerância social para com o sofrimento dos desempregados. Com o desprezo dos sindicatos, o campo ficou livre para as inovações gerenciais e econômicas, que sempre beneficiaram os rendimentos financeiros e a desigualdade das riquezas, bem como a adversidade social, o sofrimento e a injustiça, mascarados nas “culturais empresariais” e nas novas formas de gestão. Promessa de felicidade para quem se “encaixasse”. A vergonha de protestar quando os outros são mais desfavorecidos. O empregado que sofre por causa do trabalho é encarado com indignação (afinal ele está empregado!), numa insensibilidade à sorte maior dos que sofrem por falta de trabalho (p.40-44);
(2) Exemplo do suicídio e da força desumana para que todos “esqueçam” o episódio (p.44);
(3) O sujeito que sofre no trabalho é frequentemente levado, nas condições atuais, a lutar contra a expressão pública de seu próprio sofrimento. Afetivamente, ele pode assumir uma postura de intolerância com sua emoção, provocada pelo sofrimento alheio, bem como uma atitude de indiferença e intolerância para com o que provoca seu sofrimento (p.46);
(4) A impossibilidade de exprimir e elaborar o sofrimento no trabalho constitui importante obstáculo ao reconhecimento do sofrimento dos que estão sem emprego (p.46).
Surgimento do medo e submissão
(1) O desemprego é o grande fantasma, uma constante ameaça. Os trabalhadores submetem-se às novas formas de dominação (com a ameaça constante da precarização) porque vivem constantemente com medo, o que gera condutas de obediência e de submissão. Desliga o sujeito do sofrimento do outro, bem como dos que estão longe de seu universo (desempregados e excluídos) e de seu sofrimento (p.46-52);
(2) A principal preocupação, do ponto de vista subjetivo, é a resistência: capacidade de agüentar firme o tempo todo, sem relaxar, sem se importar em machucar as mãos, sem se ferir e sem adoecer. A pressão e ritmo do trabalhão são infernais mas ninguém reclama mais (p.47);
(3) O medo produz uma separação subjetiva crescente entre os que trabalham e os que não trabalham (p.52).
Cap. (3) ...continuação...
O Sofrimento Negado
Da submissão à mentira
(1) Os gerentes sofrem porque tem alguma noção da situação de seus subordinados e de seu sofrimento, das dificuldades reais que eles enfrentam para realizar seu trabalho. Outrossim, eles também sofrem com as formas de gerenciamento, como nas reuniões com a direção em que um gerente se vê na berlinda, submetendo-se a longas reprimendas, por sua incapacidade de “dar conta” de suas tarefas e assumir suas responsabilidades. Fica a dúvida: seria um prenúncio à precarização de seu trabalho ou um pretexto para sua demissão? E não importa a vida profissional pregressa do indivíduo, dentro da própria empresa. É como se os gerentes não tivessem “passado” dentro da organização. O gerente fica embaraçado ao dar explicações, hesita, propõe interpretações vagas, muito defasadas em relação aquilo que sabem. Exibem uma confiança aparentemente  autêntica na qualidade do trabalho e na perenidade da empresa. Para Dejours, sem a confiança no sucesso da empresa, ou mesmo o triunfalismo dos gerentes, o sistema entraria em crise (p.53-54);
(2)  MANIPULAÇÃO DA AMEAÇA: os gerentes encontram dificuldades em tornar visíveis suas próprias dificuldades, pois os tornaria muito vulneráveis. A experiência da resistência do real à autoridade e à competência gerenciais tende a permanecer individualizada, secreta e dissimulada. Isso explica o silêncio sobre as dificuldades, mas não a confiança dos gerentes no sistema. Por outro lado, eles reproduzem o sofrimento nos empregados, usando a ameaça da demissão, objetivando intensificar o trabalho dos operadores bem mais do que o possível. “As dificuldades na organização existem verdadeiramente (tensões, dificuldades nos resultados, sofrimento dos empregados, precarização do trabalho), mas o sistema parece poder funcionar duradouramente dessa maneira” (p.54-58);
(3)  A PERPLEXIDADE DOS GERENTES: além do consentimento e resignação, os gerentes mostram-se colaboradores zelosos da organização. A informação destinada aos empregados é falsificada, mas graças a elas, perdura a mobilização subjetiva dos gerentes. Chama-se estratégia da distorção comunicacional  e a maioria dos empregados contribui para essa distorção (p.58-59).











Cap. (4)
A mentira instituída
A estratégia da
distorção comunicacional
(1) Baseia-se na negação do real do trabalho e das crenças alimentadas pelo sucesso das “novas tecnologias”, das ciências cognitivas e dos trabalhos sobre inteligência artificial (p.64);
(2) Esta negação também resiste a prova da verdade da experiência, quando as dificuldades encontradas não chegam ao conhecimento dos gerentes;
(3) O gerenciamento da ameaça, respaldado na precarização do emprego (em minha opinião, também pelo desemprego), favorece o silêncio, o sigilo, o “cada-um-por-si”;
(4) Leva a interpretações pejorativas das condutas humanas, sintetizada na noção “fator humano” por alguns especialistas e repercute dolorosamente na vivência do trabalho dos privados de reconhecimento. Não raro, são levados a dissimular as dificuldades que a experiência do real da tarefa lhes apresenta;
(5) Entretanto, os próprios trabalhadores tornam-se cúmplices desta negação e da doutrina pejorativa do fator humano, pelo seu silêncio, pela sonegação de informações e pela concorrência que se vêem diariamente submetidos (p.61-64).
A mentira propriamente dita
(1) Práticas discursivas que vão ocupar o espaço deixado vago pelo silêncio dos trabalhadores sobre o real e pela supressão de feedback;
(2) A mentira consiste em descrever a produção a partir dos resultados e não a partir das atividades das quais eles são decorrentes (p.64).
Da publicidade à CI
O endomarketing[1] a serviço da melhor valorização e comercialização da empresa. É preciso aumentar o valor do “passe” em nome da perenidade do serviço e do combate à adversidade e à concorrência (p.65-66).
Apagamento dos vestígios
A mentira só pode resistir à crítica quando se eliminam as principais provas em que esta última poderia basear sua argumentação. Consiste em omitir os fracassos, encobrir os acidentes de trabalho, pressionar os empregados a não denunciar, em apagar lembranças do passado que possam servir de referência positiva ao caos instaurado na atualidade. Para tanto, os “antigos” tornam-se “persona non grata” (p.66-67).
A mídia da comunicação interna
Nem sempre é fácil sustentar uma mentira instituída, de modo fundamentado. Para tanto, as práticas discursivas vão sendo progressivamente niveladas por baixo, com vistas a um discurso padronizado, sempre apelando para slogans, estereótipos, fórmulas prontas, que desgastam a semântica e consideram os leitores como cretinos e ignorantes. A comunicação sofre deformação ou falsificação para que pareça estar de acordo coma cultura da empresa, num tácito entendimento entre o serviço de comunicação e a direção (p.68-69).
Racionalização
A distorção comunicacional não acontece somente por uma estratégia experimentada passivamente pelos leitores e os trabalhadores da empresa. Ela pressupõe a ação de um grande número de pessoas em intensa cooperação. Essa mídia oferecida substitui o debate necessário para se chegar à verdade e à realidade da situação dentro da empresa, com acesso a ações e decisões racionais na gestão da organização do trabalho. Os órgãos de comunicação interna constituem, atualmente, fonte da alimentação da racionalização (muito embora não sejam os únicos) (p.70-72).
Cap. (5)
A aceitação do trabalho sujo
As explicações convencionais
(1)  EM TERMOS DE RACIONALIDADE ESTRATÉGICA: Colaborar em atos injustos exigidos pela hierarquia, não isenta ninguém da demissão. Apesar da incerteza, os gerentes colaboram, como se estivessem certos de suas previsões otimistas. No entanto, a ameaça continua (podendo até agravar-se) e não traz segurança alguma com relação ao emprego. “Todos sabem, todos temem, mas todos consentem”. As pessoas acabam ajustando-se aos demais para não correr o risco de “chamar a atenção”, singularizando-se (p.73-74);
(2)  EM TERMOS DA CRIMINOLOGIA E DA PSICOPATIA: Colaboradores perversos (o sujeito funciona segundo a uma moral ou ignorando a moral. Os dois extremos não se comunicam) ou paranóicos (dotados de uma rigidez moral máxima frente às demais estruturas da personalidade descritas em psicologia). Paranóicos e perversos em cargos de liderança na injustiça infligida a outrem (p.75-76).
A explicação proposta: a valorização do mal
(1) O MAL NAS PRÁTICAS ORDINÁRIAS DO TRABALHO: Tolerância à mentira (não-denúncia e cooperação), leis trabalhistas cínicas e cada vez mais freqüentes. Manipulação deliberada da ameaça: chantagem, insinuações, assédio moral, desestabilização psicológica, entre outros (p.76-77);
(2)  PARTICIPAÇÃO DAS PESSOAS DE BEM: Porque as pessoas de bem, dotadas de “senso moral”, consentem em contribuir para o mal? São mobilizadas por sua coragem, pois não se sentem confortáveis agindo assim. Muitas vezes quem decide o trabalho sujo, está protegido das vítimas por uma série de intermediários que o executam que dividem consigo a responsabilidade. Aqui existe o “juízo do reconhecimento” formulado pelos pares sobre a qualidade do trabalho (p.77-81).
O recurso à virilidade
(1) A virilidade é construída socialmente e confere ao masculino a capacidade de expressão do poder (seu parceiro deve-lhe reconhecimento, gratidão, etc.). Aqui, coragem não contribuir com o “trabalho sujo” e sim recusar-se a fazê-lo, contra tudo e contra todos. O líder do trabalho do mal é um perverso que usa do recurso da virilidade para fazer o mal passar por bem (p.81-86);
(2) A equação fuga-por-medo = falta de virilidade está tão arraigada em nossa cultura, que as pessoas, na sua grande maioria, estabelecem relação entre identidade sexual masculina, poder de sedução e capacidade de se valer da força, da agressividade, da violência, da dominação (p.86).











[1] Conjunto de ações de marketing institucional dirigida para o público interno (colaboradores, fornecedores, acionistas, vendedores).