FAE – CENTRO UNIVERSITÁRIO
PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM
ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO – PMOD
DISCIPLINA: ORGANIZAÇÕES E COMPORTAMENTO – Profª. LIS SOBOLL (RESENHA 4º. ENCONTRO)
PROGRAMA DE MESTRADO INTERDISCIPLINAR EM
ORGANIZAÇÕES E DESENVOLVIMENTO – PMOD
DISCIPLINA: ORGANIZAÇÕES E COMPORTAMENTO – Profª. LIS SOBOLL (RESENHA 4º. ENCONTRO)
Por Rossana Cristine Floriano Jost
I. Identificação da obra
GAULEJAC, Vincent de. Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social. São Paulo: Ed. Idéias e Letras, 2007.
II. Percepções da aluna
Capítulo 10 – Uma sociedade de indivíduos sob pressão
O capítulo traz a reflexão sobre a imensa pressão (sobretudo psíquica) que as evoluções tecnológicas desembocam no homem do trabalho. É certo que houve aumento de ganho de tempo e dinheiro, ao longo da história, mas também é certo a intensa exigência (e ação) de produtividade. Tudo o que o homem ganha, o faz a um alto preço. O “empoderamento” o tornou mais mobilizado subjetivamente do que nunca, mais responsável do que nunca.
Desta forma, a incerteza que paira na realidade desse “homem do trabalho”, acaba constituindo uma ameaça ao mesmo, alimentada pela cultura da urgência, pelas ilusões de motivação por resultados e pelo medo de ficar visado. O “não saber das coisas” (sentimento de que não mais consegue controlar seu ambiente de trabalho e seu futuro) o deixa à mercê do medo de ficar “fora do jogo organizacional”. É como se “fazer parte do jogo” fosse uma recompensa. Assim, a aceitação dos riscos passa a ser banalizada. A luta pelos lugares é natural e considerada como necessária: que vençam os melhores. O mérito de cada um passa a ter um peso maior pelo lugar atribuído. Seguindo esse raciocínio, aquele que perdeu seu lugar, não resta nada mais além de culpar a si mesmo[2]. Se houve vencedores é porque foram (ou são) “melhores”. A concorrência entre as pessoas chama a atenção para os desempenhos individuais, se esgueirando do desempenho do sistema de organização, que se isenta de qualquer responsabilidade. O alto escalão se beneficia pela percepção de que a concorrência é parte da natureza das coisas e não criada pelo sistema de governo. Portanto, a ameaça de perder o posto é sentida como “sorte” comum a todos os assalariados.
Em face deste jogo, a empresa sempre esperará que seus empregados ultrapassem as expectativas (coisa que dificilmente acontecerá, pois o ideal não existe), gerando uma ansiedade e angústia de não estar à altura do que a empresa exige. É ganhar ou ganhar, sob pena, por vezes, da demissão imediata de “perder o posto”. E essa obrigação é interiorizada, característica do sistema gerencialista que “amarra” o indivíduo à ação que impele a um sucesso forçado e não à reflexão. O empregado projeta na empresa seu ideal de onipotência, ao mesmo tempo em que introjeta os ideais de expansão e de conquista propostos pela organização. Vive em tensão permanente para continuar à altura de suas exigências.
Essa tensão, quando é demasiadamente forte, pode ser motivo suficiente de o indivíduo recorrer a produtos para suportá-la. Aqui surge a questão das novas patologias do trabalho, na forma de: depressão, esgotamento, lassidão, entre outros. O autor usa o termo inglês burnout para expressar o esforço além da conta no intuito de alcançar metas inatingíveis. Também nos mostra que o esgotamento profissional caminha junto com um super investimento no trabalho (geralmente acompanhados de drogas). São sinais de um tempo que traz outra nova patologia: a dependência do trabalho (work addicts) que corresponde do hiperativismo inicial (considerado como normal e aceito voluntariamente) à posterior impossibilidade de se descontrair, seguida de dor-de-cabeça nos finais de semana, angústia das férias, etc. Gaulejac classifica esses indivíduos como “drogados do trabalho”, “cujo estado de carência pode tornar-se dramático em caso de ruptura do laço com a empresa” (p.219). A hiperatividade (sobrecarga de trabalho) pode resultar de uma opção pessoal, sendo motivo de orgulho, o que, na verdade, vem em resposta a uma exigência da organização. Assim sendo, os empregados têm o sentimento de que não fazem o bastante e a hiperatividade no trabalho se manifesta justamente para proteger e defender a profissão que parece ameaçada.
Quanto ao estresse, a gestão gerencialista não o considera como doença profissional, e sim como algo natural, ao qual é conveniente se adaptar. Sua “resistência” é encarada como fator de sucesso. É preciso gerenciá-lo e, neste contexto, o homem acaba atacando somente suas conseqüências (terapias afins é o que não falta) e nunca suas causas. O livro nos mostra que este fenômeno cresce, na proporção em que uma pessoa entre 10 já sofre de estresse no mundo, sendo o segundo maior motivo de afastamento do trabalho, acompanhado de intensificação do trabalho, álcool, má alimentação, bem como favorece o câncer e as crises cardíacas, além de ser uma das maiores causas de depressão, podendo levar ao suicídio. “O estresse é gerado pelo próprio funcionamento da empresa” (p.222). Os próprios médicos do trabalho demonstram a ligação entre as novas formas de organização do trabalho e o agravamento das perturbações de saúde dos assalariados. No modelo gerencialista, é o paciente que deve “se cuidar”, aprendendo a viver com a situação. À empresa não cabe absolutamente nada. As condições de trabalho não são postas em questão. Pelo contrário, a empresa intenciona fazer do estresse um estímulo positivo que contribua com seus objetivos de desempenho.
O que o modelo gerencialista banaliza: |
Aceitação do risco de perder o lugar, como um problema somente do trabalhador. |
Concorrência entre as pessoas, com foco no desempenho dos mesmos, tão somente. |
Tensão permanente para continuar à altura das exigências da empresa. |
Esgotamento no trabalho que caminha junto com hiperatividade (sobrecarga de trabalho), também usada como forma de defender o emprego. |
Drogados do Trabalho. |
Estresse (ausência de controle do empregado sobre seu trabalho, tarefas repetitivas, pressão de prazos e ritmos, meio ambiente tóxico e violência). A empresa quer valer-se disso positivamente para seu objetivo de desempenho. |
Assédio Moral. |
Para GAULEJAC (2007, p.223)[3] “constituem cerco moral os procedimentos repetidos que têm como objeto ou como efeito, uma degradação das condições de trabalho de um assalariado suscetível de sofrer injúrias a seus direitos e a sua dignidade, de alterar sua saúde física ou mental, ou de comprometer seu futuro profissional”. Para o mesmo autor, o assédio moral pode ser de um empregado, de um superior hierárquico ou de um colega.
GAULEJAC (2007) ainda assevera que há um reconhecimento legal na violência e que a lei coloca em questão comportamentos singulares, perversos que certamente existem e convém condenar, entretanto, oculta as causas profundas do assédio, contribuindo para individualizar o problema. O autor também atribui à lei, a minimização para o fato de que os comportamentos de assédio são a conseqüência de uma pressão generalizada existente no mundo do trabalho. Para ele, todas as metáforas que atribuem à organização características humanas, fazem crer que os conflitos gerados poderiam ser resolvidos como problemas somáticos ou psicossomáticos.
Uma organização não é neurótica, nem paranóica, nem perversa. Em troca, seu modo de funcionamento pode suscitar nos empregados comportamentos neuróticos, paranóicos ou perversos (ENRIQUEZ, 1998, citado por GAULEJAC, 2007, p.224).[4]
A organização pode pôr em ação modos de gerenciamento que favorecem o assédio moral: relações de violência, de exclusão, de ostracismo. No entendimento de GAULEJAC (2007), um contexto violento e paradoxal, com regras do jogo e formas de sanção ou de reconhecimento incertas, quadro instável, promessas não mantidas, pode suscitar inúmeros tipos de comportamentos: sado masoquista, onipotência, submissão incondicional ou mesmo outras formas de perversão. A paradoxalidade do cenário, tida como perfeitamente racional, pode levar os funcionários à “loucura”, analisada como uma violência e não tanto uma patologia.
O mesmo autor relata que o sofrimento psíquico e os problemas relacionais são os efeitos do modo de gerenciamento. “A noção de cerco moral tende a focalizar o problema sobre o comportamento das pessoas, mais do que sobre os processos que os geram” (GAULEJAC, 2007, p.225). O autor entende que, quando o assédio, o estresse, a depressão ou, mais geralmente, o sofrimento psíquico se desenvolve, é a própria gestão da empresa que deve ser questionada, não se tratando do fato de uma pessoa particular, mas de uma situação de conjunto. A hierarquia, assim como os colaboradores, também é pega em uma pressão permanente que não consegue controlar. “Os empregados sentem-se individualmente assediados porque são coletivamente submetidos a uma pressão intensa” (GAULEJAC, 2007, p.225), e como não podem intervir contra a empresa, agridem-se mutuamente, numa forma de descarregar sua agressividade sobre o outro, contribuindo assim para reforçar uma lógica do “salve-se quem puder”.
Para GAULEJAC (2007), na empresa hipermoderna, todo mundo encontra-se sob tensão, sofrendo e exercendo pressão em uma corrente sem fim, onde cada elo pode representar uma posição de assediador/assediado. Portanto, o assédio não pode ser tratado como um problema tão somente comportamental, mesmo com efeitos psicológicos. Deve ser levado em conta o contexto que o faz emergir e, conforme o entendimento do autor, a causa maior do assédio engloba três tendências gerencialistas que colocam o conjunto do sistema de organização sob pressão: distância entre objetivos fixados e meios atribuídos; defasagem entre prescrição e atividade real; e a distância entre as recompensas esperadas e as retribuições efetivas.
O mesmo autor ressalta que existem muitos processos que põem em concorrência os indivíduos na exigência do “sempre melhor”. Quando cada um é convidado a se prejudicar para alcançar seus objetivos, o desejo de sucesso e o medo potencializam-se. Sendo assim, as pessoas entram numa busca desenfreada por reconhecimento. Por sua vez, a empresa pretende fornecer a seus empregados um quadro de vida, bem como todo um conjunto de dispositivos que permitem implicar-se no trabalho, identificar-se com seus resultados e, sobretudo, mobilizar-se psiquicamente sobre aquilo que ela representa. A perda disto tudo representa a perda do “amor de sua mãe”, gerando uma angústia, como se “lhe faltasse o chão”. Diante disto, a defesa do indivíduo é o ativismo desenfreado, acompanhado de um comportamento dócil e da permissão de sua total instrumentalização. O trabalho torna-se obsessão e toda distração é sentida como perturbação insuportável. Essa tensão cria condições propícias para o assédio, seja numa posição de “perverso” (o outro é um objeto utilitário), ou numa posição “masoquista de vítima” (o outro é fonte de sofrimento pelo qual não se quer passar), ou, ainda, numa posição “paranóica” (o outro é percebido como um perseguidor). “A vivência dessas diferentes posições está ligada a componentes psíquicos já presentes (...) definitivamente, são as condições de trabalho que solicitam e favorecem tal ou tal funcionamento psíquico”. (GAULEJAC, 2007, p.228).
Todos os ingredientes estão presentes para favorecer um contexto de assédio. Para SIBONY[5] (1998, citado por GAULEJAC, 2007, p.228), “a perversão não é a dominante maior dessa violência. É mais do lado da exigência do reconhecimento (...) porque, com muita freqüência, as pessoas desencadeiam uma angústia agressiva a partir do momento que seu enquadramento narcísico é ameaçado ou que eles assim o creiam”.
“Em um universo gerencialista, o narcisismo é a instância psíquica mais solicitada”
(GAULEJAC, 2007, p.228).
(GAULEJAC, 2007, p.228).
O mesmo autor ainda ressalta que o contrato narcísico cria uma influência intensa entre o indivíduo e a empresa a que pertence, enquanto que esta concede as gratificações por ele esperadas. Quando isso é rompido, emergem o ressentimento, a perda de confiança, a rejeição, o despeito e a desmobilização psíquica. O autor constata uma contradição maior: quanto mais se obtém reconhecimento (materializado) e mais se sobe nas escalas de poder, tanto mais a competição é devassa e há mais risco de se tornar visado, podendo juntar-se aos excluídos de reconhecimento. Portanto, o este autor entende que a doença é uma saída honrosa para ambos os lados: para a empresa porque evita a demissão e para o empregado porque encontra um meio de cristalizar um sofrimento difuso sobre um sintoma preciso. ????
“O culto do desempenho repousa sobre a ilusão de onipotência” (GAULEJAC, 2007, p.229). O mesmo autor ainda comenta que cada indivíduo está persuadido de que é o melhor, aderindo a uma cultura de competição, que celebra o mérito individual. Entretanto, para um ganhador, há vários perdedores. A ilusão narcísica produz cegueira sobre as oportunidades reais de sucesso, assim como a exigência de sucesso contínuo pode levar ao fracasso. E, no modelo gerencialista, os fracassados são excluídos.
Twitter, dia 29/09, às 1:49AM. Post de Bernt Entschev, Head Hunter: Uma boa noite de sono é muito importante para um desempenho completo no trabalho. Descanse bem e cuide da saúde - ela também faz seu sucesso.
Na gestão gerencialista, o desemprego é visto como algo que beneficia a empresa, sobretudo porque permite comprimir os salários, encontrar mão-de-obra fácil e barata, bem como confrontar-se com uma menor combatividade por parte dos empregados. Essa questão é jogada aos próprios assalariados, tidos como únicos responsáveis pela situação. Os dirigentes das empresas desobrigam-se de toda e qualquer responsabilidade.
A mesma lógica é usada com relação ao reconhecimento das doenças do trabalho. A ligação entre perturbações psíquicas e condições de trabalho estressantes ou assediadoras é difícil de demonstrar. O autor questiona sobre como qualificar as interfaces entre os sintomas patológicos dos assalariados e as condições de trabalho que os geram. Tanto o estresse como o hiperativismo são fenômenos sociais antes de serem “doenças” pessoais, ou seja, a origem do problema não é “médica”. Provém de um mal-estar provocado pelas condições de trabalho, que desorganiza os equilíbrios de base dos empregados, desaparecendo os sintomas quando a pressão do trabalho é aliviada ????? (às vezes é irreversível...).
O poder gerencialista tem por objetivo canalizar a energia psíquica e transformá-la em força de trabalho e à empresa cabe gerenciar as consequências desse modo de funcionamento. Os processos de mobilização psíquica afetam a saúde de quem os suporta: (a) pressão para quem almeja freneticamente o sucesso; (b) depressão para quem fica fora do jogo do desempenho esperado; (c) estresse para quem suporta a cultura do assédio. Entre drogas e medicamentos, todos vivem com ansiedade e medo. E as empresas, responsáveis por esse gerenciamento, usufruem de uma impunidade total. O livro sugere (e o autor até brinca com isso) a possibilidade das empresas também assumirem os custos das consequências humanas, sociais e financeiras da busca desenfreada do desempenho, bem como as degradações do meio ambiente por aqueles que são sua causa.
A gestão deveria também oferecer instrumentos tão adequados para avaliar custos sociais e psíquicos quanto aqueles que ela criou para avaliar benefícios e as perdas financeiras (p.233).
O espírito utilitário do modelo de desenvolvimento produtivista ajuda o mundo a caminhar para sua perdição. O mundo vivido acontece na contramão deste, pois celebra o lúdico mais que o trabalho, o prazer dos corpos mais que a busca de resultados, a disponibilidade para o outro mais que a medida dos desempenhos. A busca do “sempre mais” leva o homem a renunciar à alegria dos momentos presentes. É muito difícil abrir mão de coisas cristalizadas como as bases necessárias para existir socialmente. E o trabalho dá ao homem os meios de existir. Mais que isso: aumento da duração de vida, conforto, proteção, etc. Sem dúvida, aqui, desempenho é sinônimo de progresso e bem-estar. “A desocupação é insuportável para aquele que tem fome e impraticável para aquele que é estigmatizado” (p.237). O trabalho é um meio de subsistência e não a finalidade da existência.
Por fim, Gaulejac retoma a questão da escola, lembrando que começa aí um sistema de luta contra a desocupação. As crianças aprendem que trabalhar é mais importante que “estar junto”, que acumular saberes pré-construídos é mais importante que vivenciar experiências reais. Disciplina, classificação, competição, seleção, entre outros, são seus valores que visam preparar as crianças, o mais cedo possível, para o mundo da produção.
“O que há de mais importante do que ensinar os filhos a viver juntos no respeito pelo nosso planeta e com a finalidade de construir uma sociedade de humanos solidários e não violentos? Conviria recusar a luta pelos lugares, que obriga a cada um provar sua utilidade para ter uma existência social” (p.239).
Capítulo 11 – Explosão das classes sociais e luta pelos lugares
Ao ser humano é imposto como ”norma” a adaptação permanente às transformações socioeconômicas no mundo do trabalho (virou necessidade). A gestão gerencialista afirma que a mobilidade é fator de progresso, pois encoraja a iniciativa, mérito individual, motivação para o sucesso, entre outros. Desta forma, as classes se desagregam, pois os indivíduos são confrontados com uma luta cada vez mais solitária, para existir socialmente.
A fluidez social aumenta desde os anos 60. Sua característica essencial é a transformação do mercado do emprego e a emergência da precarização. A fragilidade das relações de emprego atinge todas as categorias de assalariados. As mudanças acontecem mais em função da alta instabilidade no emprego que propriamente uma opção de vida. É o modelo que se transforma. Cada pessoa se torna uma “partícula elementar” que deve se livrar de todo e qualquer entrave que a afaste do sucesso. O homem flexível (que tem a mobilidade como norma) substitui o homem de profissão. É preciso se adaptar às mudanças: a identidade de profissão num universo profissional estruturado dá lugar a uma identidade flexível, polivalente que varia de acordo com as imprevisibilidades da carreira. Sendo assim, muda também o sentido das lutas de classe, que tendem a se atenuar em favor das lutas individuais, objetivando melhorar a posição social, a conquista de poder, etc. A cada um é cobrado o gerenciamento de sua própria vida, como sua própria carreira profissional.
SOCIEDADE INDUSTRIAL | IDEOLOGIA GERENCIALISTA |
Estratificada | Transformação no modo de organização das empresas |
Não igualitária | |
Diferentes membros com único papel | Empregos voláteis, instáveis, incertos |
Sentimento profundo de identidade social | Transformação no modo de organização das empresas |
Passava através de gerações | |
Camponês, operário, comerciante e estabelecido | Flexibilidade |
Trabalho como necessidade de sobrevivência, com valor e inserção social | Ruptura, precariedade e insegurança. Automação de empregos e tarefas. |
Mobilidade fraca | Mobilidade forte |
Promoção rara (ligada a diplomas ou ascensão hierárquica na empresa) | Rejeição a trabalhadores com desempenho insuficiente |
BURGUESIA x PROLETARIADO (subproletariado) | |
Lugares bem situados na sociedade | Instabilidade |
Conflitos sociais pela repartição da riqueza produzida, desigualdade e exploração | Diminuição de empregos protegidos |
Sociedade voltada para o crescimento dos níveis de vida |
CLASSE OPERÁRIA | CLASSE DOMINANTE |
Em 20 anos, 1.300.000 empregos operários suprimidos | Apenas a burguesia resistiu ao desaparecimento das classes sociais, conservando uma consciência muito clara de seus interesses |
Declínio quali e quantitativo | Não tem limites para extensão de seu domínio |
Trabalhadores não qualificados transferidos para “2ª. linha” (serviços de limpeza, vigilância, etc.) | |
Reciclagem dos operários (da indústria aos serviços gerais) | |
Nova classe operária muito próxima do mundo dos empregados | |
(1) POLO PROMOCIONAL – operários qualificados que se tornam técnicos, muito próximos às categorias mais altas | (1) POLO DINÂMICO – nova classe dirigente emergente (hiperburguesia), formada por engenheiros & Cia e com o domínio do espírito capitalista, de mobilidade e competitivo |
(2) POLO TRADICIONAL – refere-se ao operário pobre, solidário, rebelde, com consciência de classe, comunista, bem aos moldes tradicionais | (2) POLO TRADICIONAL – uma parte da burguesia tem a ilusão de manter sua posição, na dominação passada, entretanto com poder financeiro corroído por todos os lados. Competição exacerbada |
(3) POLO EM PERDIÇÃO – composto pelos mais vulneráveis, vítimas das reestruturações, das mudanças tecnológicas. Pouco qualificados, ocupam empregos precários, incertos | (3) POLO EM PERDIÇÃO – ameaçados pela regressão, decadência e perda de inserção social. Renunciam aos “píncaros” e se contentam com um lugar “médio” |
Diminuição contínua e importante de empregos operários | |
Sentimento diluído de pertença a uma classe | |
Ascensão do individualismo | |
Atenuação da solidariedade | |
Tradições operárias (oposição ao capital, etc.) muito distante da representação marxista da sociedade | |
Partido comunista com perda de influência – combate sem mais sentido | |
Operários desencantados e fechados em si mesmo | |
Operários derrotados com as promessas de salvaguarda da fábrica | |
Fábrica fechada para atenuar a combatividade do pessoal | |
Sentimento de culpa entre os “sobreviventes” das demissões | |
O trabalho operário não desapareceu, mas sim o sentimento de pertença a um coletivo claramente identificado, que partilha os mesmos valores e identidades comuns, sobretudo pela desvalorização da condição operária |
BURGUESIA INDUSTRIAL CAPITALISTA | HIPER BURGUESIA |
Classe dominante, classe social | Termos hoje considerados arcaicos |
Debate sociológico = reprodução social, movimentos sociais, ligações entre a pertença e a consciência de classe | Inclinação das relações de classe em favor dos proprietários do capital. Desenvolvimento de sistemas de organização complexos, fundados em lógicas abstratas e desterritorializadas |
| Posições de poder ligadas a postos-chave de influência e decisão |
Coesão cultural – concepção liberal da economia, competição, supressão das barreiras que freiam a livre-troca | |
Coleção de indivíduos de origens diversas | |
Mundo instável e competitivo, com posições efêmeras (altos e baixos) | |
Poder consolidado por muitas gerações por meio da ostentação recíproca do capital econômico, social e cultural | Poder abstrato, virtual e volátil |
Laços de solidariedade, estratégias concordantes | Valores de um individualismo exacerbado, fascinação pelo dinheiro e competição encarniçada |
Poder legitimado | Não há preocupação de legitimar o poder |
| Preocupação com interesses particulares na busca insaciável pela rentabilidade, preocupação em conquistar novas fatias de mercado e lucro imediato |
Longo prazo | Curto prazo |
“Cada um por si” | |
Conselhos de administração “sem história” (p.255) ??? | Universo impiedoso dos negócios e negociantes |
| Eliminação do concorrente (do lucro e do posto) |
| “Arrancar a pele do outro” para salvar a própria |
Cooperação | Eliminação |
Solidariedade de classe | Ferocidade – favorecer os melhores |
| Conjunto de indivíduos que acalentam a ilusão de um poder efêmero (virtual), combatendo-se em uma luta selvagem para ocupar os lugares mais invejáveis |
| Centrada sobre o aqui e o agora, não tem memória, nem fidelidade, nem inserções |
Capítulo 12 – A política contaminada pela gestão
O capítulo reflete sobre as questões da política e o quanto está atrelada às mutações econômicas e sociais. Os homens políticos tendem a se transformar em homens de negócios, bem como o inverso também acontece: homens de negócio que se assumem como políticos, em nome do desempenho e da competência (mesmo sem experiência). Propõem-se a gerenciar a cidade norteados pelo modelo gerencialista, reduzindo a ação pública a problemas orçamentários e financeiros. As considerações econômicas sobrepõem-se aos aspectos da vida social. A gestão privada torna-se referência para governar os homens.
Enquanto os cidadãos esperam orientações na ordem do simbólico, os políticos trazem respostas na ordem econômica. A ideologia gerencialista inverte os valores entre a política e a economia. A política reduziu-se a lugar de cálculo. É preciso pagar impostos, escapar à fiscalização, entre outros. A imagem do homem que se compromete a defender o bem público é substituída pela imagem do estrategista que valoriza interesses privados, estando à disposição dos especuladores, desvalorizando a “coisa pública". Essa inversão das relações entre o econômico e o político é a causa do descrédito que atinge o político. E a economia, que é motor essencial do desenvolvimento social, contribui para destruí-lo.
A pressão da ideologia gerencialista é mais evidente no campo da educação, onde crianças são transformadas em clientes do sistema educativo. Conforme a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), a educação deveria ser assegurada por prestadores de serviço e o poder público deveria garantir o acesso à aprendizagem daqueles que jamais se tornarão um mercado rentável. Mas a verdade é que a educação tem como finalidade produzir agentes adequados às necessidades das economias: um assalariado adaptável e flexível para integrar as novas competências dos modos de produção. Sendo assim, o sistema educativo deve produzir alunos empregáveis, ajustados mercado de trabalho. Desde cedo, o aluno deve assimilar a ideologia gerencialista.
Mais que debater sobre a organização da cidade, democracia, bem-estar da população, debate-se sobre as taxas de crescimento, impostos obrigatórios, etc., e as opções políticas cada vez mais são determinadas por considerações puramente financeiras. No debate instrumental, instala-se um vazio reflexivo sobre a melhoria da vida individual e coletiva, sobre as finalidades da existência humana e social, produzindo sua própria impotência.
A ideologia gerencialista mata a política:
| Ideologia Gerencialista | Ideal da Política |
Administração | Burocrática e desmotivadora | Eficaz e reativa |
Estatuto do funcionário | Obstáculo para a iniciativa, tentativas de risco e motivação | |
Regulamentos | Não permitem responsabilização dos agentes | |
Justificativa pelo tempo de trabalho | Corrida ao mérito e resultados | |
Justiça | Recompensas pelas contribuições de cada um | Partilha igualitária das riquezas e dos bens |
Textos burocráticos | Rigidez e multiciplicidade | Fluidez, reatividade, compromisso das pessoas |
Governo | Por contrato | Por lei |
Direção | Objetivos | Normalizadora |
Centralização | Diversidade | Uniformidade |
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